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Feedback: do desconforto à apreciação

Desde muito cedo na minha carreira, trabalhei com vários outros jovens, cheios de energia e com a intenção de nos tornarmos os melhores profissionais que o mercado poderia querer. E uma das práticas que tínhamos para o nosso desenvolvimento profissional era o feedback. Foi uma prática importante para mim. Com ela aprendi a me abrir para receber a percepção das outras pessoas sobre o resultado do meu trabalho, sobre como era trabalhar comigo e, também, a ver na opinião das outras pessoas uma oportunidade de tornar o que faço melhor.


Mas, quando começamos a conversar aqui no Instituto sobre as nossas reuniões de início de semestre, senti arrepios ao ouvir a palavra feedback. Lembrei da sensação de estar na berlinda. Ser o centro de atenção de uma roda onde outras pessoas me falavam tudo que eu poderia fazer ou ser melhor, desde a forma como respondo emails a traços da minha personalidade. Em várias outras experiências profissionais, tive essa mesma vivência e percebi que isso deixou marcas em mim. E pode ser que você se identifique com a dúvida que surgiu:

se a cultura de feedback trouxe aprendizados positivos, por que esse trauma?

Tenho algumas hipóteses sobre os motivos para esse embrulho no estômago ao pensar em feedbacks. O primeiro é que é desafiador gerar parâmetros para analisar comportamentos que se encaixem aos inúmeros perfis de pessoas que trabalham em uma mesma empresa. E, ao tentar definir esses parâmetros ou competências desejáveis, podemos acabar correndo o risco de querer regular todo mundo pela mesma média. O que quero dizer com isso é: quando valorizamos que um grupo de pessoas, em sua diversidade, apresente o mesmo conjunto de competências, podemos deixar de explorar o que cada um faz de melhor para forçar que todos apresentem as mesmas características e habilidades, mesmo que de maneira mediana. E isso nos leva à minha segunda hipótese.


Boa parte das vezes, feedback significa focar no que falta ou, como costumamos dizer, nos pontos a desenvolver. E o que pega aqui é que todos nós somos, naturalmente bons em algumas coisas, e não tão bons em outras.

Culturalmente, aprendemos e somos incentivados a trabalhar no que não somos tão bons, nas nossas fraquezas. O treinador Alan Sied, na última imersão em CNV e liderança que tivemos com ele aqui no Instituto, disse algo que fez muito sentido pra mim: “Há uma falha nesse estímulo: ao fim da vida, vamos ser pessoas com fraquezas mais fortes, ao invés de focarmos em desenvolver os nossos super poderes.”


Reconheço a importância de falarmos sobre o que pode ser melhor. Como amante do autoconhecimento e do desenvolvimento humano, aprender sobre meus pontos cegos tem sido fundamental na minha jornada de evolução pessoal e profissional. Porém, o que quero destacar aqui é o risco de não aproveitar o melhor do talento de cada um, e de gerar uma ferida ao tentar fazer com que um peixe torne-se bom em subir árvores. E há um risco para a empresa também: uma boa equipe pode ser formada por pessoas que têm habilidades excelentes de comunicação e interação com clientes, que performam brilhantemente em áreas como atendimento e vendas; e também por pessoas com incríveis habilidades técnicas, que preferem passar a maior parte dos seus dias em frente ao computador, com pouca interação e o mínimo de interrupção.


Minha terceira e última hipótese tem a ver com a pluralidade de percepções do que é bom ou importante para cada um. Como a Liliane Sant’anna costuma dizer, “somos observadores tão distintos do mundo!”. Por mais que tenhamos boas intenções, a nossa honestidade sobre o comportamento de alguém pode não ser percebida da mesma forma por uma outra pessoa que trabalha com ela. Então, imagina o desafio que é receber um feedback como “gostaria que você fosse menos direto” de uma pessoa, quando uma outra pessoa valoriza a assertividade da sua comunicação, e inclusive lhe elogia por isso. Aqui também entra a questão dos pedidos específicos. O que quer dizer “ser menos direto”? Pode facilitar muito para quem recebe o feedback saber que o que a outra pessoa precisa é de um pouco mais de contexto e motivos para execução de uma nova demanda quando a recebe, por exemplo.


Apresentadas as hipóteses, voltamos para o gatilho da reflexão. Afinal, ainda tínhamos as reuniões de início de semestre pela frente, não é mesmo? Falar sobre esse desconforto em relação ao feedback na nossa reunião semanal me trouxe alívio e clareza. Outras pessoas compartilhavam de incômodos parecidos e isso nos trouxe uma conversa importante sobre como tornar o momento do feedback uma experiência não-violenta.


Algumas semanas depois, veio a proposta. Ao perceber que valorizamos a nossa evolução individual e como equipe, e que também valorizamos como podemos contribuir para essa evolução, entendemos que sim, esse momento de escutar e falar sobre o nosso trabalho era algo que gostaríamos de manter. Pensando no formato dessa conversa, percebemos que valorizamos muito o nosso bem-estar e a escolha de cada uma. E que também queríamos utilizar esse momento para celebrar o que era bom em trabalhar com cada uma das 7 mulheres que formam o Instituto.


Foi assim que a reunião de feedback se tornou a reunião de celebração. Nela, fizemos uma primeira rodada para cada uma contar o que gostaria de escutar sobre a sua atuação no Instituto naquele momento. Algumas queriam saber sobre pontos específicos da sua performance, outras queriam escutar quais necessidades nossas eram atendidas com o trabalho que fazem no Instituto, e outras necessidades que gostaríamos de ver atendidas com mais frequência. Outras queriam escutar sobre os impactos de movimentos pessoais no trabalho e houve quem estivesse mais aberta para escutar o que estivesse vivo, sem pontos específicos.


Com os pedidos claros feitos, seguimos em rodadas, nos alternando para falar de cada uma de nós, por uma tarde inteira. E foi mágico.


Ao pensar no que cada pessoa pediu, me dava conta de características presentes no trabalho com ela que nem sempre ganhavam nome em minha mente. Foi uma oportunidade de contar para cada um das mulheres que dividem a rotina comigo, como suas luzes chegam até mim, e como seus talentos somados a suas personalidades e suas idiossincrasias geram experiências que atendem tantas das minhas necessidades, que vão desde contribuição à inspiração. Foi também uma oportunidade de, ao escutar os compartilhamentos de todas sobre cada uma de nós, admirar a riqueza que nossa empresa ganha com a nossa pluralidade de talentos e diversidade de experiências, conhecimentos e interesses pessoais. E os aspectos que poderiam ser melhor, ou o que gostaríamos de ver mais, veio leve, com cuidado e clareza, com a intenção de somar para quem estava recebendo o que tínhamos a oferecer.


Teve também o meu momento de ouvir. E, nesse momento, percebi um certo desconforto. Acredito que por não ser tão comum escutar uma sequência de apreciações por mais de 30 minutos. Mas o que mais pegou, para mim, era me abrir para receber essas apreciações. Um chacal interno que há muito tempo me acompanha às vezes dizia: “Elas estão sendo boazinhas, elas não sabem como você é de verdade”. Nos momentos em que eu percebia essa voz, pedia licença a ela. E voltava a escutar o que estava sendo ofertado para mim ali. E foi incrível me surpreender com aspectos do meu trabalho, comportamento e até da minha personalidade que às vezes eu mesma não noto, mas que contribuem para a vida delas. Ao final da minha rodada, eu experimentava uma sensação muito peculiar, de contentamento e de gentileza.


Ao acolher as minhas luzes, fica tão mais fácil e natural perceber as luzes das outras pessoas. E pra mim essa foi a grande magia dessa experiência.

Um fator importante para esse momento ter funcionado bem foi entender que, na nossa rotina, já temos uma cultura de feedback que acontece por meio da prática da Comunicação Não-Violenta entre nós, no nosso dia a dia, momento a momento. Com essa linguagem comum, é mais fácil expressar como uma ação ou comentário que não contribuiu para a minha experiência me chegou. E, assim, vamos trabalhando caso a caso, sem precisar esperar por um momento no fim do semestre para dizer o que incomoda ou o que gostaríamos que fosse diferente.


Tenho consciência do privilégio que é trabalhar com outras 6 pessoas que praticam a Comunicação Não-Violenta. E a minha ideia com esse texto não é passar uma fórmula mágica que vai resolver a prática de feedback onde você trabalha. Mas, sim, abrir perguntas como: o que podemos fazer diferente para aproveitar mais as luzes que cada um trás? Como as conversas para melhorar a nossa rotina de trabalho podem acontecer de forma mais leve e natural? Como podemos contribuir uns com os outros para uma vida produtiva, colaborativa e agradável no trabalho?


Aqui no Instituto, seguimos curiosas, experimentando e aprendendo. Essa foi uma experiência positiva que nos fortaleceu, nos trouxe energia para mais um semestre e que contribuiu para desenvolvermos os nossos super-poderes.


Se você chegou até aqui, conta pra gente nos comentários o que achou?



Autora: Flávia Amorim

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