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O seu marido é a sua única estratégia? - por Arnina Kashtan

Uma aluna minha me escreveu, agitada, contando que pensa estar prestes a pular no abismo.


Pular no abismo é uma parte enorme do que tenho vivido e ensinado por muitos anos. É uma parte integral do que eu passei a chamar de “A Bússola” - o meu método para liberação pessoal, familiar e social.


Percebendo como seu processo transformacional estava progredindo, ela estava chocada pela ideia de que poderia acabar vendo seu marido como uma estratégia para suas necessidades - uma possibilidade paralisante para ela.

Se ela realmente chegasse na conclusão de que ele é a única estratégia para atender suas necessidades de amor, de ser vista, de apoio e companhia, o que então aconteceria se ela parasse de vê-lo nesse papel?

Ele deixaria de ser importante para ela? Ela não o amaria como o ama agora?


Mais à frente, em sua carta, ela expressou uma preocupação similar conectada ao relacionamento com seus filhos, e mais ainda com seus pais, mencionando especificamente a crença que a acompanhou na vida, de que ela deve ser a salvadora deles, senão ela não pode ser vista ou apreciada, e portanto, não merece estar viva.


E a simples expressão desses pensamentos foi para ela o mais próximo que já se sentiu da possibilidade de pular no abismo do desconhecido, o que muitas vezes é essencial para nossa capacidade de liberar o que nos bloqueou por anos.


Para que possamos perceber quem podemos ser sem esse peso e aprender a, generosamente, fazer novas escolhas, muito mais alinhadas com quem estamos aprendendo a nos tornar.

 

Depois que terminei de ler, escrevi para ela dizendo que achava sua carta significativa e cheia de conteúdo. Pareceu-me que ela estava começando a levantar um véu e a descobrir alguns dos principais padrões de sua vida. No entanto, sabendo o quão desafiador foi para ela passar de sua "caverna" perfeitamente protegida para novas formas de viver sua vida, eu a incentivei principalmente a continuar a dar esses passos medidos (tanto quanto ela pudesse de fato medi-los ...) na direção do que quer que se apresente, sem esperar estar mais avançada em sua jornada do que seu organismo consegue sustentar.


E como eu acredito que para muitos de nós esse medo particular (de descobrir horizontes internos não familiares) é um efeito colateral comum quando integramos uma nova consciência nas nossas vidas (como a Comunicação Não-Violenta, ou o processo “A Bússola”), vou compartilhar com você algumas partes do que escrevi para ela.



 

Primeiro, duas palavrinhas de encorajamento… (Bom, algumas mais…)


Você ficar tão alarmada se baseia em pensar que a ideia de necessidades-estratégias fecharia o seu coração. Não fecha, porque isso é somente uma parte do contexto maior. Mesmo que uma pessoa (no geral) ou o seu marido (em particular) sejam uma estratégia, isso não os reduz a somente isso. O que isso faz é adicionar outra dimensão para a existência dele na sua vida, dimensão essa que normalmente sequer sabemos que existe. No cenário maior, ele faz parte do mistério de sermos humanos, que vive em nós de maneira indecifrada, vasta, para além de palavras. Como a música.


Além do que, apesar do enorme medo que você pode experimentar, o que a aguarda do outro lado não é tão assustador quanto pode parecer. Na verdade, é o contrário… Você vai descobrir novas expressões de “Você”.

E isso, da mesma forma que para muitos antes de você, vai enriquecer sua presença, criatividade e senso de liberdade (não é isso que te trouxe para esse processo, para início de conversa?).


Assim que você soltar o choque de linkar a palavra estratégia com uma pessoa, algo novo vai ser abrir dentro de você. E isso não significa, de maneira alguma, que você vai desejá-lo ou amá-lo menos. É bem o contrário, na maioria dos casos… (e não se esqueça que essa é somente uma maneira de explicar relacionamentos entre pessoas).


Então, o que você pode esperar?


Existe uma inclinação e uma conexão com uma pessoa que não deriva do que você projeta nela. Você pode simplesmente amá-la (ou não), se importar com ela, querer protegê-la, contribuir com ela e assim por diante. Estas são as suas necessidades, surgindo dentro de você e direcionadas a elas.


Naturalmente, é sempre muito agradável quando as pessoas em sua vida estão lá como uma maneira de você atender às suas necessidades. Claro, não é tão bom quando o oposto acontece, e você não consegue satisfazer essas necessidades por meio delas, mas desde que você esteja consciente de que essas são as suas necessidades e que as pessoas ao seu redor não são obrigadas a atendê-las (em seus comportamentos ou em suas reações), está tudo bem (relativamente falando, é claro).


Quando olhamos para a necessidade de proteger ou de contribuir, por exemplo, as coisas costumam ser mais complicadas. Tudo começou com nossos pais, que, como gerações antes deles, tendiam a vincular essas necessidades a uma e apenas uma estratégia para satisfazê-las (por exemplo, apenas quando seu filho faz o dever de casa, você se sente em paz com a necessidade de protegê-lo).


A incerteza paralisante é, portanto, criada quando você - inconscientemente, é claro, como todos nós - atribui a necessidade a apenas uma forma possível de preenchê-la e/ou projeta algum tipo de expectativa sobre uma pessoa. Este apego é o oposto do verdadeiro espírito de uma necessidade, que existe como uma entidade vasta, respirante e sempre em movimento, sem qualquer figura, forma ou tempo específico ligado a ela.

Infelizmente, por causa da dependência inata com que nascemos e da mistura de necessidades e estratégias naquela época (ou seja, o útero, o seio ou simplesmente o próprio pai sendo a única estratégia para tantas necessidades), desde cedo quase todos nós caímos nesta armadilha. E torna-se duplamente evasivo quando a estratégia é uma crença.


Como parte dessa confusão, você pode, por exemplo, usar seu marido para “provar” algo dentro de você. Infelizmente, isso pode ser fortalecido por sua conversa interna inconsciente, que continuará a girar em torno de como ele "deveria" ser, agir ou atuar no mundo. Então, sem perceber, ele acaba se tornando a (única) estratégia para demonstrar essa crença (ou seja, seu próprio valor, ou a falta dele), e não para atender diretamente a uma necessidade (que deu origem a essa crença).


Isso pode facilmente se transformar em um desastre ecológico interno, manifestando-se como uma demanda inconsciente dentro de você, que coexiste com uma expectativa externa dirigida a ele. Sem ele saber que isso está acontecendo aí dentro, esse desastre interno pode facilmente se manifestar na forma de crítica, expectativa, decepção e/ou raiva. Com isso, vem um apego cada vez maior a resultados específicos, medo de que tudo desmorone se ele não corresponder às suas expectativas e culpa quando você pensa que está “errada” por viver tudo isso dentro de você.


Como o seu marido se tornou a única maneira de você atender suas necessidades? Vamos assumir que no seu caso (o que, infelizmente, não é diferente de milhões de pessoas, esposas ou mães como você), a sua crença de que “Não é suficiente”, não foi criada especificamente para ele, mas na verdade, surgiu muito antes na sua vida. Ele simplesmente tropeçou na sua teia e foi capturado.

Qual é a saída?


A boa notícia é: a primeira coisa a se fazer aqui não é perdê-lo de vista e / ou libertá-lo do peso de suas expectativas. Isso seria jogar o velho jogo de “deveria” contra você mesma, baseando-se na mesma ideia, que há algo errado com você, que precisa ser “corrigido” imediatamente.


Em vez disso, você começa com um encontro empático com suas crenças, as decodifica e aprende a abraçá-las, ao se conectar em uma camada mais profunda com suas necessidades, e com a sua história, que deu nascimento a essas crenças. Só então, muito gradualmente, transitar para outra escolha de estratégia. Isso é, claro, mais fácil de falar do que fazer, e normalmente requer ter algumas ferramentas e apoio para trabalhar em seus padrões, como algumas que são parte d”A Bússola”. Você então pode encontrar uma maneira mais plena de se conectar consigo mesma, e de viver em paz com você, do jeito que é. Somente aí você pode praticar libertá-lo desse lugar estático onde você o segurou, e se mover na direção do “Você” mais amplo que está te esperando do outro lado do abismo...


Portanto, a grande questão real é como neutralizar essas crenças. Dei-lhe uma resposta parcial, e a outra parte - que é, claro, a parte complicada - é que tudo depende de encontrar uma maneira de dar seu consentimento à própria ideia de que você é “OK”. OK não é perfeito; é simplesmente humano.

Humano, exatamente com as necessidades que você tem, exatamente com as crenças que você tem, e exatamente com todas as coisas que você perdeu, ou não viu, ou não sabia, ou não entendeu. Humano dessa forma significa que nada disso faz de você uma esposa horrível (ou mãe, ou filha, no que diz respeito à sua preocupação com seus filhos ou pais).


Ah, e mais um pouco para a sobremesa...


O papel que você assumiu, as crenças que cultivou e o que você se proibiu de fazer por qualquer meio necessário - tudo isso foi gravado em suas células. E tudo isso teve um efeito crucial no curso de sua vida.


A grande decodificação inclui uma reflexão profunda e corajosa sobre cada aspecto seu, incluindo aquelas partes que você manteve bloqueadas. Felizmente, acho que você está começando a concordar em abrir uma pequena janela para isso. E aí está a chave para tudo.

Por favor, vá devagar, pois realmente não há pressa. Todos nós nos movemos da melhor maneira que podemos, exatamente no ritmo que podemos. Não existe um caminho “certo” e nenhum resultado esperado. De verdade.


Com amor,

Arnina

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