A pergunta “como parar de discutir?” aparece com frequência em nossos treinamentos, assim como “o que faço para parar de brigar com o meu marido?”; “como não ser reativo com a minha filha?”, e várias outras mais, na esperança de que as próximas conversas fluam diferente. Essas perguntas são frequentes porque, certamente, estas situações também são corriqueiras em nossas vidas, despertando um enorme desejo de viver uma vida mais leve, sem tantas “discussões”. Também é frequente a frustração que surge quando as palavras ditas com o intuito de ser compreendido acabam construindo uma barreira entre nós.
Você já se viu numa conversa que começou leve, com um papo gostoso, até regado a bom humor e algumas risadas, e, de uma hora para outra, a prosa toma um outro rumo, inesperado, com acusações, cobranças e até ofensas recíprocas? Busque na memória aí! Sim? Ou talvez você tenha, intencionalmente, aberto uma conversa importante para você, na esperança de que o outro pudesse te ouvir e compreender o que estava se passando com você, já sabendo que seria uma conversa mais desafiadora, e o que era para ser um diálogo virou dois monólogos acirrados? Bem-vindo(a) ao clube! Discutir é inerente ao fato de ser humano e estar em relação com outras pessoas.
O convite, agora, é trilhar um caminho de reflexões que nos encorajem não só a soltar a vontade de parar de discutir, mas a buscar entrar em discussões que cuidem das nossas relações e do que é valioso para nós!
É possível parar de discutir?
De cara, já te convido a refletir: “É mesmo possível parar de discutir?”
Você pode me responder que sim! Sim, porque sempre temos escolha e, então, você pode escolher, de uma vez por todas, parar de discutir com outras pessoas. E, por mais que eu concorde em parte com você, me lembrando de vezes em que eu escolhi parar uma discussão que não estava contribuindo para o que eu buscava ali, também me lembro de várias situações em que as minhas emoções estavam tão à flor da pele que parar, definitivamente, não me pareceu uma opção.
Também me lembro de situações em que escolhi não falar, assumindo que “não adiantava discutir” e, mesmo assim, ainda que tivesse evitado discutir com a outra pessoa, discussões internas surgiam e se tornavam insistentes: pensamentos de certo e errado, sobre o que deveria ou não ter acontecido, consumiam a minha energia e o meu tempo.
E, ainda que seja possível não mais discutir, será esse o caminho para cuidar de você e das suas relações? Pela minha experiência, podemos escolher parar de discutir naquele momento em que a conversa toma um rumo indesejado e não está mais contribuindo para a conexão e compreensão que desejo. Mas entendo que parar de discutir, como uma ação permanente, não é possível, nem saudável. Somos seres relacionais e relacionar-se inclui conversar, discutir assuntos que nos importam e expor o que pode contribuir para tornar a nossa vida melhor.
Parar de discutir pode não ser a resposta
Costumo dizer que parar de discutir é perder oportunidades! É perder oportunidades de descobrir mais sobre mim e sobre o outro… descobrir como o combinado que eu fiz de última hora com a minha irmã impactou a vida do meu noivo, que já tinha planejado algo para gente; descobrir como a minha mãe vai receber meu relato de frustração por não ter tido apoio na última manhã de domingo; e, também, descobrir o que ela estava cuidando naquela manhã; descobrir como minha sócia está vendo uma situação que está me preocupando… Há tanto a se descobrir!
E, da mesma forma, há muitos caminhos que essa conversa pode trilhar: uma discussão mais reativa, com muitos julgamentos sobre si e sobre o outro; uma discussão mais honesta, capaz de expressar ao outro como você está se sentindo e o que você está precisando; uma discussão mais empática, com abertura para ouvir do outro o que ele está sentindo e descobrir o que ele está precisando; ou uma discussão que comece reativa e depois caminhe para a honestidade ou para a empatia… há várias formas de discutir!
Talvez a resposta seja mudar a pergunta!
Ao invés de se perguntar: “como parar de discutir?”, que tal questionar: “como discutir?”
“Como discutir com o outro de modo a cuidar da gente, de mim, dele, da nossa relação?”
“Como discutir com o outro, com foco no que estamos sentindo e precisando?”
“Como discutir com o outro, atento(a) aos nossos padrões de acusação e justificativas?”
E é aqui, no "como discutir", que encontramos contribuição da Comunicação Não-Violenta. A CNV busca estabelecer uma conexão empática com nós mesmos e com os outros, mesmo em discussões que pareçam extremamente desafiadoras para nós. Assumo dizer que, principalmente nestes momentos, em que é realmente difícil ouvir e ser ouvido, que ela mais pode contribuir para ampliar nosso olhar e buscar novos focos de atenção. Lamentavelmente, a comunicação que aprendemos quando discordamos do outro é baseada em padrões e estruturas de pensamento dual, de separação, e de certo e no errado, o que nos distancia da nossa humana compassiva e nos impede de continuar na conversa para compreender. O primeiro passo, então, é reconhecer se estamos atuando a partir destes padrões durante uma discussão.
Inclusive, temos um vídeo no nosso canal do youtube que aborda padrões de acusação e de certo e errado, em que Liliane conta “como parar uma briga de casal enquanto ela acontece”. Basta clicar aqui!
Por trás da discussão, há uma necessidade
Se eu parar de discutir, não dou a mim mesma a oportunidade de me expressar e, ao outro, a oportunidade de saber como isso me tocou, o que é importante para mim naquela situação e, ainda, porque eu valorizo uma outra forma de seguir!
Como o Marshall Rosenberg enfatizava: Por trás de toda ação, há uma necessidade!
Sim… Ousamos dizer que, por trás de toda discussão, há não só uma necessidade, mas, no mínimo, duas necessidades buscando ser atendida - a necessidade que estava viva na situação - talvez apoio, cuidado, valorização, reconhecimento - e a necessidade de ser visto(a) e compreendido(a) pelo que sentia e precisava naquela situação.
É fato que a discussão toma um rumo mais acalorado quando você ou o outro quer muito que a necessidade seja vista, escutada e compreendida e a conversa vai se esticando sem que isso seja notado: nestes casos, a necessidade de compreensão começa a “gritar alto”!
Recentemente, eu e uma das minhas irmãs entramos numa discussão mais reativa: Somos 4 filhas e duas de nós, que estávamos cuidando de questões mais burocráticas em relação ao inventário do meu pai, dividimos as ações pendentes entre nós quatro. Eu fiquei de avisar uma delas. A conversa começou comigo contando sobre a divisão de tarefas e a ação que caberia a ela, confiando que eu estava contribuindo para a nossa gestão familiar. E a primeira resposta dela foi: “Ah tá! E quem cuida da compra dos remédios da minha mãe, dos cuidados com ela e de todo o resto que eu já faço?” A minha primeira reação, instantânea, foi: “Ok, se não quer contribuir, não precisa… é só dizer que não pode e a gente redistribui aqui!”. E a conversa seguiu reativa por mais um bom tempo, até teve honestidade dos dois lados… mas pouco espaço para empatia, para que cada uma se desse a oportunidade de escutar o que era importante para a outra ali.
Agora, te convido a seguir num rápido exercício comigo: Eu estava precisando de apoio naquele momento e pude expressar a minha honestidade. Mas… o que será que ela estava precisando? E, quando eu não percebo isso, o que mais ela passa a precisar? Num chute rápido aí, você pode imaginar que, talvez, ela precisasse de reconhecimento do que ela já tem feito pela minha mãe e, quando eu não vejo isso, quase que instantaneamente, surge a necessidade de ser vista e compreendida nesta discussão. (Talvez ela também tivesse a necessidade de pertencimento, participação nas decisões da família ou escolha...e somente ela poderia me dizer, provavelmente não com essas palavras). Ter continuado a discussão, com honestidade e abertura para empatia, me permitiu descobrir que ela realmente precisava de reconhecimento, bem como ser compreendida na sua necessidade de ser reconhecida.
Aprendendo a perder o medo de discutir com a CNV
E aí você pode estar se perguntando? Mas como? Como perder o medo de discutir e se inclinar a entrar em discussões, sem acusações e ofensas?
Deixo aqui 5 dicas rápidas que podem te apoiar:
Esteja consciente dos padrões de acusação. Reconhecer a sua intenção durante uma discussão é o primeiro passo para soltar os julgamentos e voltar sua atenção ao que realmente importa.
Nomeie o que de fato aconteceu na situação que motiva a discussão. Trazer observações, com fatos incontestes, contribui para o ponto de partida da conversa, situando os envolvidos sobre o ocorrido.
Ao falar, expresse o que você está sentindo e o que é importante para você nessa situação. Focar nos seus sentimentos e nas suas necessidades ao se expressar, contribui para que o outro compreenda a sua experiência.
Ao escutar, esteja atento ao que o outro está sentindo e o que é importante para ele nessa situação. Perceber os sentimentos e as necessidades expressadas pelo outro, contribui que possa compreender a experiência dele, sem que isso signifique concordar com ela.
Após se expressar e escutar, faça combinados possíveis para seguir. Quando ambos compreendem o que é importante para o outro e se engajam em buscar caminhos para cuidar da relação, dali para frente, aumentam as chances de que esta relação se desenvolva de forma mais saudável e sustentável.
Quanto mais praticamos trazer essa consciência para as nossas discussões, por mais enérgicas que elas possam ser, mais próximos estaremos de compreender o que nos motiva e cuidar das nossas relações.
Conflitos podem ser oportunidades de conexão, se soubermos como percorrer esses territórios. Pensando nisso e combinando anos de prática da Comunicação Não-Violenta à sua atuação com mediação, o treinador John Kinyon criou mapas de conversação, que apoiam a transformar conflitos e, assim, criar mais compreensão e confiança nas relações.
John Kinyon trará o treinamento "Do conflito à conexão" em 8 encontros online e ao-vivo, pela primeira vez com tradução simultânea para o português. Começa no dia 12 de setembro de 2022. Conheça mais em: https://www.institutocnvb.com.br/doconflitoaconexao
Autora: Cristiane Chaves.
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